Por Carlos Eduardo Benfica
A Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade de 2024 (COP 16), que ocorrerá entre 21 de outubro e 1° de novembro em Cali, Colômbia, está marcada por um cenário crítico para a preservação ambiental no Brasil. Com mais de 150 mil focos de incêndio registrados este ano, incluindo 50 mil na Amazônia e 5 mil no Pantanal, o país enfrenta uma crise devastadora que ameaça seus biomas e fauna nativa. Entre as espécies em perigo estão animais como a onça-pintada e o tamanduá-bandeira, além de invertebrados, como besouros, formigas, borboletas e abelhas, espécies vitais para a preservação dos ecossistemas. Estas espécies, principalmente as de pequeno porte, possuem baixas chances de sobrevivência, uma vez que são incapazes de se deslocarem rapidamente durante os incêndios.
Os incêndios ocorridos, muitos com suspeita de ação proposital, estão causando danos irreversíveis aos biomas. A perda de biodiversidade em situações como esta é alarmante, pois a severidade dos impactos, escala com a recorrência dos eventos. Estudos apontam que áreas que sofreram mais de uma queimada apresentam, por exemplo, menor riqueza e abundância de árvores frutíferas, reduzindo os recursos disponíveis para diversas espécies. Isto altera a composição florestal e os padrões de sucessão, consequentemente afetando tanto a riqueza (número de espécies) quanto a abundância (número de indivíduos de cada espécie). Tais desequilíbrios facilitam, ainda, a colonização destes ecossistemas por espécies invasoras, as quais passam a competir com as espécies nativas .
Como o país mais biodiverso do mundo, abrigando entre 15% e 20% de toda a diversidade biológica global – de acordo com dados da ONU, o Brasil tem um papel central nas discussões sobre o tema. A importância do país no cenário global se consolidou em 1992, quando sediou a Eco92 (Rio92), evento que levou à criação da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB). Dois anos depois, foi realizada a primeira Conferência das Partes (COP) da biodiversidade, marcando o início de uma longa trajetória de negociações internacionais.
A COP 15, realizada em 2022 (Kunming-Montreal), resultou na adoção do Marco Global de Biodiversidade (GBF), que estabeleceu 23 metas para deter e reverter a perda da biodiversidade até 2030. Uma das metas mais urgentes é a conservação de 30% dos ambientes terrestres e aquáticos até 2030, a chamada “30×30”. Entretanto, apesar do protagonismo e dos esforços, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer para se tornar uma referência mundial em conservação. O compromisso do país com a proteção ambiental inclui a criação de novas unidades de conservação, o uso sustentável de recursos naturais e a implementação de políticas de conservação eficazes.
Na COP 16, a implementação do Marco Global de Biodiversidade será um dos temas centrais. Entre os principais pontos de discussão estão o financiamento das metas globais de conservação e o papel das Soluções Baseadas na Natureza (SbN), as quais objetivam proteger, gerenciar sustentavelmente e/ou restaurar ecossistemas naturais e modificados, buscando beneficiar, simultaneamente, as pessoas e a natureza. As SbN são alternativas sustentáveis e eficazes para enfrentar desafios ambientais, sociais e econômicos. Estudos da International Union for Conservation of Nature (IUCN) indicam, por exemplo, que manguezais evitam cerca de US$ 57 bilhões em danos por inundações em países como China, Índia, México, EUA e Vietnã a cada ano. Além disso, ainda de acordo com o mesmo estudo, as SbN podem contribuir com um terço da mitigação climática necessária para atingir as metas do Acordo de Paris, com benefícios globais estimados em US$ 170 bilhões anuais em serviços ecossistêmicos focados no clima.
É importante ter consciência que a crise climática e a crise da biodiversidade estão intrinsecamente relacionadas. Enquanto ações que resultam na perda da biodiversidade contribuem para o aumento de emissões, os eventos climáticos extremos, como as secas, são um risco para a manutenção de espécies e ecossistemas. Além disso, como citado, as consequências econômicas decorrentes da perda da biodiversidade são consideráveis.
Para o Brasil, a participação na COP 16 representa uma oportunidade essencial para repensar suas políticas de preservação. Além das discussões sobre a meta “30×30”, será importante focar na proteção dos direitos aos povos indígenas, que desempenham papel vital na conservação dos ecossistemas. Também serão discutidos mecanismos de monitoramento e responsabilização para garantir que os países cumpram suas metas de preservação.
A expectativa é que a COP 16 se torne um marco na implementação de ações concretas para a biodiversidade. A WayCarbon, participando pela primeira vez do evento, busca contribuir com sua experiência na agenda climática e de sustentabilidade e acompanhar de perto as discussões globais. O Brasil é uma peça-chave nessas discussões, e é essencial que o país alinhe suas políticas de conservação para garantir a preservação de sua biodiversidade. É um momento crítico para o Brasil demonstrar liderança e compromisso na proteção de seu patrimônio natural, vital para o equilíbrio do planeta.
Sobre o autor
Carlos Eduardo Benfica é biólogo, mestre em ecologia de ecossistemas e consultor de sustentabilidade da WayCarbon, com mais de 17 anos de experiência na execução e coordenação de projetos envolvendo biodiversidade. Desde 2006, tem atuado extensivamente no Brasil, incluindo a Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica, em projetos de pesquisa e consultorias. Atualmente, aplica seu conhecimento na WayCarbon, principalmente, em projetos envolvendo Soluções Baseadas na Natureza (SbN), que buscam beneficiar simultaneamente as pessoas e a natureza.
** artigo de responsabilidade do autor.